As diferenças entre o Português Europeu e o Espanhol

O português europeu e o espanhol são dois dos maiores idiomas falados no mundo, originários da Península Ibérica e com uma história profundamente interligada. Ambos evoluíram do latim vulgar, introduzido pelos romanos há mais de dois mil anos, mas seguiram caminhos de desenvolvimento linguístico distintos que resultaram nas línguas que conhecemos hoje. À primeira vista, para falantes de línguas românicas, o português e o espanhol podem parecer bastante semelhantes, mas ao olhar mais de perto, revela-se uma infinidade de diferenças significativas. Neste artigo, iremos explorar as principais diferenças entre o português europeu e o espanhol, abordando aspetos como fonética, gramática, vocabulário e cultura linguística, entre outros.

História e Origens Comuns

Antes de entrarmos nas diferenças específicas entre o português europeu e o espanhol, é importante entender as origens partilhadas destas duas línguas. Ambos os idiomas derivam do latim vulgar, falado pelos soldados e colonos romanos que se estabeleceram na Península Ibérica durante o Império Romano. No entanto, com a queda do império e as subsequentes invasões bárbaras e árabes, as diferentes regiões da península começaram a desenvolver as suas variantes do latim, que eventualmente deram origem a línguas distintas.

No caso do português, a língua foi influenciada pela proximidade geográfica e cultural com o noroeste da Península Ibérica, onde o galego-português se desenvolveu como um dialeto que posteriormente se dividiu em galego e português. O espanhol, por sua vez, desenvolveu-se no centro e norte da península, fortemente influenciado pelo reino de Castela. Esta divisão histórica ajuda a explicar muitas das diferenças fonológicas e gramaticais entre o português e o espanhol.

Fonética e Pronúncia

A pronúncia é talvez uma das áreas mais notórias em que o português europeu e o espanhol diferem. Enquanto o espanhol, em geral, é uma língua mais clara e com uma articulação mais aberta, o português europeu apresenta uma sonoridade mais fechada e nasalizada.

Vogais

O português europeu apresenta um sistema de vogais mais complexo com 9 sons de vogais orais, com sons abertos, semi-abertos, semi-fechados e fechados. Já no espanhol, existem apenas 5 vogais orais.

Português europeu: /a/, /ɐ/, /ɛ/, /e/, /ɨ/, /i/, /ɔ/, /o/, /u/

Espanhol: /a, /e/, /i/, /o/, /u/

Nasalização

Uma das características distintivas do português europeu é o uso de sons nasais. Os ditongos nasais são comuns no português, especialmente em palavras que terminam em “-ão” ou “-em”, como “pão” ou “também”. Esta nasalização não existe em espanhol, o que confere ao português uma sonoridade única. Por outro lado, o espanhol não tem a mesma ênfase em sons nasais, exceto em casos de vogais seguidas de “n” ou “m”, como em “pan” (pão).

Consoantes

Outro ponto importante de diferença é a articulação de certas consoantes. No português europeu, existe uma maior diversidade de sons, especialmente nas consoantes fricativas.

A consoante fricativa palatoalveolar surda [ʃ] do português não existe em espanhol (ex: chuva [ˈʃuvɐ]). Em espanhol, o grupo “Ch” é pronunciado como um “tch”.

Em espanhol não existe a consoante fricativa alveolar sonora [z] do português (ex: zinco [ˈzĩku], mesa [ˈmezɐ]). Graficamente existem, em espanhol, s e z, mas a pronúncia é normalmente surda [s] – mesa [ˈmesa].

A consoante fricativa palatoalveolar sonora [ʒ] do português, associada normalmente às letras “g” e “j”, não existe em espanhol. (ex: longe [ˈlõʒɨ], janela ['ʒanelɐ])

A consoante fricativa uvular sonora [ʀ] do português é a versão dominante do português padrão quando o “r” está no início da palavra ou no meio em forma de “r duplo” (ex: rato ['ʀatu] carro [ˈkaʀu]. Em contraste, no espanhol, o “r” é pronunciado de forma vibrante, ou seja, com uma vibração da língua contra o palato, o que resulta num som mais claro e ressonante.

Não existe em espanhol a consoante fricativa labiodental sonora [v] do português. Graficamente existem, em espanhol, b e v, mas a pronúncia é sempre [b].

Gramática

Posição dos Pronomes

No português europeu, os pronomes pessoais oblíquos átonos (me, te, se, o, a, nos, vos, etc.) podem ser colocados depois do verbo, em construções como “Comprei-o ontem”. Este fenómeno, conhecido como ênclise, é uma característica do português europeu que não ocorre tanto em espanhol, onde os pronomes pessoais são quase sempre colocados antes do verbo. Em espanhol, a frase equivalente seria “Lo compré ayer”, com o pronome “lo” precedendo o verbo.

Em português, podemos também encontrar o pronome no meio do verbo (mesóclise) quando o verbo se encontra conjugado no futuro imperfeito do indicativo ou no condicional. Exemplo: “Entregarei o documento amanhã.” > “Entregá-lo-ei amanhã”. Este fenómeno não ocorre em espanhol.

Uso dos Pronomes Pessoais

Em português, especialmente no português europeu, os pronomes pessoais sujeitos (eu, tu, ele, nós, etc.) são frequentemente omitidos, uma vez que a conjugação verbal indica claramente o sujeito. Por exemplo, em vez de dizer “Eu vou ao cinema”, pode simplesmente dizer-se “Vou ao cinema”. No espanhol, embora o sujeito também esteja implícito na conjugação verbal, é mais comum o uso dos pronomes pessoais, como em “Yo voy al cine”, especialmente para enfatizar o sujeito ou em contextos mais formais.

Conjugação Verbal

A conjugação verbal é um campo onde ambas as línguas partilham muitas semelhanças, mas também têm algumas diferenças.

Tempos pretéritos

Em espanhol usa-se o “pretérito perfecto” para falar de acções passadas e terminadas com relação com o presente e o “pretérito indefinido” para falar das mesmas, mas sem relação com o presente. Enquanto que o português opta-se pelo “pretérito perfeito simples” para ambas as situações.

ES: He encendido la estufa porque tengo frío. (pretérito perfecto)

POR: Acendi o aquecedor porque tenho frio. (pretérito perfeito simples)

ES: Ayer estuvimos en casa. (pretérito indefinido)

POR: Ontem estivemos em casa. (pretérito perfeito simples)

Futuro do conjuntivo

O futuro do conjuntivo é bastante comum em português, enquanto no espanhol este tempo é raramente utilizado, sendo geralmente substituído pelo presente do indicativo em contextos semelhantes.

POR: Se eu for à festa, aviso-te. (futuro do conjuntivo)

ES: Si voy a la fiesta, te aviso. (presente do indicativo)

Infinitivo pessoal

Em espanhol não há infinitivo pessoal, somente impessoal. Em português o infinitivo pode ser conjugado nas diferentes pessoas.

Este tempo é usado principalmente com expressões de tempo, finalidade, causa, condição e condição e também expressões impessoais e algumas preposições.

Conjugação do verbo estudar: eu estudar, tu estudares, ele/ela estudar, nós estudarmos, eles/elas estudarem

Ex: É importante (nós) estudarmos mais. / No caso de (elas) estudarem mais, podem ter melhores notas.

Género dos nomes

Algumas palavras são masculinas em espanhol, mas femininas em português ou vice-versa. São exemplos palavras terminadas em “-aje” em espanhol, que são normalmente masculinas e as palavras terminadas no seu equivalente “-agem” em português, são femininas. (el viaje vs. a viagem). De forma semelhante, el puente, el dolor ou el árbol são nomes masculinos mas em português são femininos – a ponte, a dor, a árvore. Por outro lado, la leche é feminino em espanhol e em português é masculino – o leite.

Uso do artigo definido

Em português, os nomes próprios são normalmente precedidos por um artigo definido. (A Maria saiu. vs. María salió.)

Também se utilizam o artigo definido com a maiores dos países e algumas cidades. Em espanhol, os nomes de países e cidades geralmente não levam artigo.  

ES: Santiago es la capital de Chile.

POR: Santiago é a capital do Chile.

Da mesma forma, em português coloca-se artigo definido atrás do determinante/pronome possessivo, o que em espanhol estaria errado.

ES: Este es mi hermano.

POR: Este é o meu irmão.

Verbos Ser e Estar

Em geral, o uso destes verbos é o mesmo, mas existem alguns casos onde diferem. A principal diferença está na interpretação do conceito de estado (estar) e de essência (ser) e na sua generalização. Vejamos alguns exemplos.

ES: Está prohibido fumar. (estar)

POR: É proibido fumar. (ser)

ES: La silla está hecha de madera. (estar)

POR: A cadeira é feita de madeira. (ser)

ES: Sólo uno es correcto. (ser)

POR: Só um está correto. (estar)

O uso do verbo ser (ou ficar) para expressar localização permanente é mais comum em português, enquanto que em espanhol usa-se o verbo estar (ou quedar).

ES: Nuestra oficina queda está (queda) muy lejos. (estar/quedar)

POR: O nosso escritório é (fica) muito longe. (ser/ficar)

Verbos reflexos

Os verbos reflexos são mais frequentes em espanhol do que em português, especialmente em acções referentes a partes do corpo.

ES: Juan se rompió la pierna jugando a la pelota.

POR: O João partiu a perna a jogar à bola.

Vocabulário

Embora o vocabulário do português e do espanhol partilhe uma base comum latina, as duas línguas desenvolveram diferenças lexicais significativas ao longo dos séculos.

Falsos Cognatos/Amigos

Existem dezenas de palavras com grafia semelhante que têm significados distintos nas duas línguas ou às vezes significados aproximados.

Um exemplo clássico de um falso amigo entre português e espanhol é a palavra “embarazada”, que em espanhol significa “grávida”, enquanto em português “embaraçada” significa “confusa” ou “atrapalhada”.

Outro exemplo é “rato”, que em espanhol significa “um momento”, enquanto em português significa “um pequeno roedor”.

Dias da semana

Ao contrário das outras línguas românicas, o português não utiliza o sistema planetário para os dias da semana, mas sim o sistema numérico juntamente com a palavra feira que tem origem no latim feria que significa dia. Os dias da semana em espanhol são todos masculinos. Em português só sábado e domingo são masculinos

EspanholPortuguês
el domingoo domingo
el lunesa segunda-feira
el martesa terça-feira
el miércolesa quarta-feira
el juevesa quinta-feira
el viernesa sexta-feira
el sábadoo sábado

Conclusão

As diferenças entre o português europeu e o espanhol vão muito além da superfície, envolvendo aspetos que afetam a pronúncia, a gramática, o vocabulário e a cultura associada a cada língua. Embora as duas línguas partilhem uma base comum, resultado da sua origem latina, o desenvolvimento histórico e cultural único de Portugal e Espanha moldou cada uma de forma distinta.

Para quem está a aprender qualquer uma destas línguas, é essencial ter consciência das suas particularidades e evitar cair nas armadilhas dos falsos cognatos e das diferenças gramaticais. Ao mesmo tempo, a riqueza de ambas as línguas e a proximidade entre elas tornam o estudo de uma ferramenta poderosa para entender melhor a outra. Para os falantes de espanhol, aprender português pode ser uma experiência mais acessível, mas não sem os seus desafios.

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